Quando a relação se transforma num lidar com:
Com que frequência encontra as expressões: “Lidar com a pessoa com demência”, “Lidar com os sintomas comportamentais”?
Sabe o significado da palavra lida ? Sabe o que significa lidar?
Fui ao dicionário:
Lida – Azáfama,faina,tarefa,trabalho.
Lidar – Trabalhar,labutar,afatidigar-se,combater,tourear.
Tom Kitwood, o “pai” da Abordagem Centrada na Pessoa com demência” dizia que o trabalho de prestar a cuidados a pessoas com demência, é um trabalho relacional, é um trabalho emocional.
Algures no tempo perdemos este conhecimento, de que o mais importante é a relação, e começamos a lidar com:
Alterações do comportamento
Sintomas comportamentais da demência
O Alzheimer
problemas de comunicação
Ora, segundo o dicionário, se começamos a lidar com tudo isto, começamos a ficar atarefados e a combater e, sem querer entrar em exageros, por vezes, a prestação de cuidados às pessoas com demência, parece,de facto, uma arena:
O parceiro de cuidados que acha que tem o poder de obrigar a pessoa a fazer aquilo que as regras ou o médico ou a família o mandam fazer e aí começa o lidar ( no sentido de taurear), porque as pessoas são lidadas até já não terem capacidade para se debater e aí cedem.
Ao ler isto vai pensar, não eu nunca fiz isto! Não é fácil refletirmos sobre a relação que temos com as pessoas com quem trabalhamos diariamente e chegarmos à conclusão que estamos numa arena a tentar que a pessoa de quem cuidamos,ceda, para facilitar a nossa vida e para ficarmos descansados….por isso, aqui vão alguns exemplos:
- Imobilizar porque pode cair
- Medicar, porque está agitado ou ansioso ( sabemos ou queremos saber porque será que está agitado?)
- Escolher a roupa que a pessoa vai vestir ( porque já não sabe, porque demora, porque a filha mandou)
- Sentar a pessoa numa cadeira de rodas ( sem necessidade) porque demora e eu não tenho tempo
- Atribuir um horário para ir à casa de banhoe, aí de quem tiver vontade fora de horas….
Quando lemos assim, parece mais um combate do que uma relação de prestação de cuidados…
Quem tem o poder numa relação de prestação de cuidados?
Quando eu enquadro todas as tarefas que desenvolvo ao longo do dia, numa relação, reconhecço que do outro lado está uma pessoa e não um objeto passivo, a quem eu posso “obrigar” a fazer o que eu quiser porque “é melhor para ele”.
Que bom que era se, pelo menos, fossemos eliminando algumas palavras e expressões, como o lidar, os dementes, os cadeirantes, os deficientes…..
Porque as palavras têm poder, têm o poder de criar estigma ou inclusão, têm o poder de criar relação ou de desvincular e, no final das contas e no final de um dia de trabalho, a escolha foi nossa : Lidei ou Relacionei-me?