Caixinha bric-a-brac
Ou o regresso à idade dos porquês quando queremos compreender o comportamento das pessoas com demência!
Numa das muitas formações que a Humanamente já deu por esse País fora, um formando fazia-nos mais uma questão sobre um problema que existia dentro da instituição e que era provocado por um comportamento de uma pessoa com demência: Esta senhora tem Alzheimer e passa o dia a tirar os sapatos. Como está perto da entrada do Lar, parece mal quando as visitas entram e vêem-na com os sapatos na mão. Ao ouvir esta questão, pergunto-me: Porque será que tirar os sapatos é um problema?
Porque será que as pessoas quando vivem num Lar de idosos “estão” sempre num determinado local, sentados na mesma cadeira ou sofá? Porque será que ninguém se questiona sobre o porquê de se tirar os sapatos?
Uma questão provoca-me mil questões…é sempre assim….
Pergunto: A senhora tira os sapatos porquê?
Respondem-me: Porque tem Alzheimer….
E assim respondem em relação a todos os comportamentos que não são capazes de compreender: de uma forma redutora e redutora é a maneira como “dão solução” ao “problema”.
As minhas perguntas sobre a senhora sucedem-se, numa tentativa de explicar que todos os comportamentos que temos são contextualizados pela nossa história de vida, que todos os comportamentos têm um motivo, um significado e que não se podem explicar apenas com um: ”Porque tem Alzheimer”.
E, finalmente, a resposta chega! Ao perguntar: O que é que a senhora fazia?
Respondem-me “Era mulher de um sapateiro. Recebia os sapatos, devolvia-os, era responsável pelo dinheiro… Assim foi, durante décadas”.
Não foi preciso dizer mais nada, os rostos iluminaram-se e de repente, o que parecia ser “do Alzheimer” era afinal a lembrança dos seus (provavelmente) melhores anos de vida.
Era o “gatilho” para recuar no tempo e fazer reminiscência dos seus momentos saudáveis e felizes. De repente, a resposta redutora de lhe voltar a calçar os sapatos, com um ralhete a acompanhar, “porque parece mal”, já não faz sentido.
De repente, aquela “doente de Alzheimer” ganha vida, toma forma e tudo faz sentido!
Mas, a questão ainda lá está. O que podemos fazer para responder à necessidade da senhora (esposa do sapateiro) e, ao mesmo tempo, solucionarmos o “problema” do lar?
Não há receitas, mas…
Apesar de não haver receitas, a minha resposta foi a caixa de memórias bric-à-brac: Uma caixa de sapatos, com vários objectos ligados à actividade de sapateiro: sapato, flanela, latinha de graxa e uma escova (só a título de exemplo), que cheirem a uma antiga loja de sapateiro e que sejam seguros e variados em termos de texturas e cores. Tudo isto para que a senhora possa manipulá-los e explorá-los, sem perigo, e sobretudo lhe sejam possibilitadas viagens ao passado, para que viva melhor no presente!
Não esquecer de que há várias formas de construir caixas bric-a-brac e que irão depender da necessidade psicossocial da cada uma pessoa que vive com demência!
Patrícia Paquete – Terapeuta Ocupacional